A produtividade intemporal de uma forma de pensar sucessivos lugares do imaginário, a partir de contextos temporalmente determinados, aliando razão e imaginação, alegoria e descrição, crítica e narrativa, advém do efeito combinado do realismo que assiste ao diagnóstico do estado presente, da esperança na modificabilidade da história e da audácia de propor o desenho do modelo idealizado: a Utopia. Esses laboratórios de porvir oferecem-se, por conseguinte, repletos de significações, de ideações, de valorações. Condensam mundividências mais ou menos complexas, mas que nunca se afiguram neutras e apelam a uma tomada de posição por parte daqueles a quem se dirigem. Revelam-se profundamente filosóficos, ainda quando se querem ficcionais, indelevelmente metafísicos, por maior que seja a positividade do constructo. Com a intenção de constituir um regime de racionalidade superior e de prever os detalhes de uma felicidade anunciada, as utopias podem resvalar, com surpreendente facilidade, para uma forma totalitária, na qual se deixam antever as formulações inversas das distopias.
O século XX conviveu mal com a dialética entre utopia e ideologia, dificuldade que o desmantelamento dos grandes movimentos revolucionários, herdados do século anterior, acentuou. Face à dúvida sobre a viabilidade de evitar que, na passagem à realização, as utopias se cristalizem em soluções totalitárias e percam a sua função crítica, retraiu-se o seu âmbito para a esfera individual, ao mesmo tempo que se investiu na produção de distopias exemplificativas dos desvarios do encontro entre a vontade de poder e a razão tecnocrática. Porém, o pensamento utópico não esmoreceu. Os desafios contemporâneos confrontam-nos, por exemplo, com as inquietações ecológicas, com uma democracia mais participativa, com novas experiências sociais, ou com as utopias e distopias da evolução tecnológica e da inteligência artificial.
Com este colóquio pretende-se repensar a complexidade dessa maneira de perspetivar a realidade, um modo universal de pensamento, que projeta figurações de mundos alternativos, passados ou futuros, com um princípio de razoabilidade na convivência humana e no modo como esta se organiza social, cultural e politicamente, os diferentes modelos que gerou, os efeitos que exerce sobre o mundo da vida, os valores que tende a convocar e as formas que assume na atualidade.
The timeless productivity of thinking about successive places of the imagination, based on specific contexts in time, combining reason and imagery, allegory and description, criticism and narrative, comes from the combined effect of realism underlying a diagnosis of the present state, hope in the changeability of history, and the audacity to propose a design for the idealized model: Utopia. These laboratories of distant futures are therefore full of meanings, ideations, valuations. They condense more or less complex worldviews, but never appear neutral, and call for a stand from those to whom they are addressed. They are profoundly philosophical, even when they are rightly fictional, ineradicably metaphysical, no matter how positive the construct may be. Intended as a regime of higher rationality and the means to an announced happiness, utopias can slip with surprising ease into totalitarian forms that envision the inverse formulations of dystopias.
The twentieth century dealt poorly the dialectic between utopia and ideology, aggravated by the dismantling of the great revolutionary movements inherited from the previous century. Given the uncertainty that utopias, in their passage to realization, could be prevented from crystallizing into totalitarian regimes and thus lose their critical function, they were reduced to the individual sphere. At the same time, dystopias emerged and proliferated, exemplifying the lunacy that arises from the encounter between the desire for power and technocratic reason. However, utopian thinking has not faded. We are faced with contemporary challenges, such as, for example, ecological concerns, a more participatory democracy, new social experiences, or the utopias and dystopias of technological evolution and artificial intelligence.
This conference intends to rethink the complexity of this approach to reality, a universal way of thinking, one that envisages figurations of alternative worlds, whether in the past or in the future. It does so within a principle of reasonableness in human coexistence and the way it is organised socially, culturally and politically, the different models it has generated, the effects it has on life itself, the values it tends to summon, and the forms it takes today.
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Organização/Organisation
Paula Cristina Pereira - IP do GI Filosofia e Espaço Público do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto
Luís Manuel A. V. Bernardo - GI Pensamento Moderno e Contemporâneo do CHAM / NOVA FCSH— UAc
Maria João Couto - GI Filosofia e Espaço Público do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto
Instituto de Filosofia da Universidade do Porto - FIL/00502
CHAM — Centro de Humanidades, NOVA FCSH—UAc
Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)